A influência do pragmatismo de Dewey na pedagogia de Anísio Teixeira: Como as ideias filosóficas pragmatistas moldaram a visão educacional brasileira no século XXI

Quando falamos sobre educação brasileira, é impossível não mencionar Anísio Teixeira. Mas você sabia que por trás desse gigante da pedagogia nacional estava outro pensador revolucionário? John Dewey, o filósofo americano do pragmatismo, foi a grande inspiração que transformou Anísio de um jovem educador tradicional em um dos maiores reformadores da educação no Brasil.

Essa história vai muito além de um simples “influenciou”. Estamos falando de uma verdadeira revolução de pensamento que atravessou continentes e épocas, moldando o jeito como pensamos educação até hoje.

O encontro que mudou a educação brasileira

Em 1928, Anísio Teixeira embarcou para os Estados Unidos. Ele tinha acabado de deixar o cargo de Inspetor Geral de Ensino na Bahia e buscava ampliar seus horizontes educacionais. Na Universidade de Columbia, em Nova York, aconteceu o encontro que mudaria sua trajetória — e consequentemente, a educação brasileira.

Foi lá que Anísio conheceu pessoalmente John Dewey e mergulhou profundamente no pragmatismo filosófico. Não foi apenas um curso que ele fez. Foi uma transformação completa de visão de mundo.

Antes dessa experiência, Anísio vinha de uma formação católica tradicional e jesuítica, com concepções mais conservadoras sobre educação. O pragmatismo de Dewey virou isso de cabeça para baixo, apresentando uma filosofia onde o conhecimento não era algo abstrato e distante da vida real, mas sim uma ferramenta para resolver problemas concretos.

O que é o pragmatismo de Dewey, afinal?

Para entender a revolução que aconteceu na mente de Anísio Teixeira, precisamos entender o básico do pragmatismo deweyano.

Dewey acreditava que o conhecimento não tem valor em si mesmo — ele só faz sentido quando aplicado à vida prática. Pense bem: de que adianta decorar fórmulas matemáticas se você não consegue usá-las para resolver problemas reais? Ou conhecer história sem conectá-la com questões atuais?

Essa filosofia tinha alguns pilares fundamentais:

Aprender fazendo (learning by doing): A experiência direta é o caminho mais eficaz para o aprendizado. Não basta ouvir sobre química — é preciso experimentar, errar, tentar de novo.

Educação progressiva: Cada fase do desenvolvimento infantil tem suas características, e o ensino precisa respeitar isso. Não dá para tratar uma criança de 7 anos como um adulto em miniatura.

Escola como laboratório social: A escola não deveria ser um lugar isolado da sociedade, mas um microcosmos dela. É onde os alunos aprendem a viver democraticamente, colaborar, resolver conflitos.

Pensamento reflexivo: Em vez de simplesmente memorizar informações, os estudantes deveriam aprender a pensar criticamente, questionar, investigar.

Quando Anísio descobriu essas ideias, foi como se alguém acendesse uma luz. Tudo fazia sentido de uma forma que a educação tradicional brasileira nunca tinha feito.

A tradução brasileira do pragmatismo

Anísio Teixeira não foi um mero copiador das ideias de Dewey. Ele fez algo muito mais interessante e complexo: traduziu o pragmatismo para a realidade brasileira.

E essa tradução não foi nada simples. O Brasil dos anos 1930 e 1940 era radicalmente diferente dos Estados Unidos. Tínhamos índices altíssimos de analfabetismo, estruturas escolares precárias, uma sociedade marcadamente desigual e autoritária. Como aplicar ideias de educação democrática e progressiva nesse contexto?

Anísio enfrentou esse desafio de frente. Ele adaptou os princípios de Dewey às necessidades urgentes do país, sem perder a essência do pensamento pragmatista.

Educação como direito universal

Uma das primeiras — e mais importantes — contribuições de Anísio foi transformar a educação em uma questão de democracia e cidadania. Inspirado por Dewey, ele defendia que não poderia haver democracia real sem educação para todos.

Mas Anísio foi além de Dewey nesse ponto. Enquanto o filósofo americano trabalhava em um país onde a educação básica já estava relativamente universalizada, Anísio lutava em um Brasil onde a maioria das crianças nem frequentava a escola.

Ele precisava, primeiro, colocar todo mundo na escola. E depois, melhorar a qualidade do ensino. Era uma missão dupla e hercúlea.

O conceito de escola-parque

Talvez a mais conhecida materialização das ideias pragmatistas de Anísio seja o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, inaugurado em Salvador em 1950. Popularmente conhecido como Escola-Parque, esse projeto foi revolucionário.

A ideia era simples na teoria, mas complexa na execução: criar um espaço educacional completo onde as crianças passassem o dia inteiro, tendo não apenas aulas tradicionais, mas também acesso a atividades artísticas, esportivas, culturais e práticas.

Aqui está o pragmatismo de Dewey em ação: educação não é só sobre livros e quadros negros. É sobre formar seres humanos completos, capazes de pensar, criar, trabalhar com as mãos, conviver socialmente.

As crianças da Escola-Parque tinham aulas convencionais pela manhã e, à tarde, frequentavam oficinas de artes, música, dança, trabalhos manuais, educação física. Havia bibliotecas, teatro, áreas de convivência.

Era a concretização da ideia de Dewey de que a escola deveria ser um ambiente rico em experiências, não uma caixa fechada onde se decoram conteúdos.

Os princípios pragmatistas na prática educacional de Anísio

Vamos destrinchar como Anísio aplicou concretamente os princípios de Dewey no contexto brasileiro.

1. Experiência como base do conhecimento

Anísio rejeitava o que ele chamava de “educação verbalista” — aquela focada apenas em discursos, memorização e repetição. Inspirado por Dewey, ele defendia que as crianças aprendem genuinamente quando vivenciam.

Isso significava trazer a vida real para dentro da escola. Projetos práticos, trabalhos em grupo, resolução de problemas concretos. A matemática deveria ser aprendida medindo espaços reais, calculando materiais para construção, planejando hortas escolares.

Era uma virada radical em um sistema educacional que ainda se baseava muito em decoreba e autoritarismo.

2. Educação democrática e participativa

Para Dewey, democracia não era apenas um sistema político — era um modo de vida. E a escola tinha um papel fundamental em cultivar esse espírito democrático.

Anísio abraçou completamente essa ideia. Ele via a escola como o lugar onde crianças de diferentes origens sociais conviveriam, aprenderiam a respeitar diferenças, a debater ideias, a tomar decisões coletivas.

Isso era especialmente revolucionário no Brasil, uma sociedade profundamente hierarquizada e desigual. Anísio acreditava que a educação poderia — e deveria — ser um instrumento de transformação social.

Ele não era ingênuo. Sabia que a educação sozinha não resolveria todos os problemas de desigualdade. Mas estava convencido de que, sem educação de qualidade para todos, a democracia seria sempre uma farsa.

3. Professor como mediador, não como transmissor

No modelo tradicional, o professor era a autoridade máxima que “despejava” conhecimento em alunos passivos. Dewey e Anísio propunham algo radicalmente diferente: o professor como orientador da experiência educativa.

O papel do educador seria criar situações de aprendizagem, provocar questionamentos, mediar discussões, ajudar os alunos a refletirem sobre suas experiências. Não mais o “dono do conhecimento”, mas um facilitador do processo de descoberta.

Isso exigia professores muito mais preparados e valorizados — outra bandeira que Anísio levantou incansavelmente ao longo de sua carreira.

4. Integração entre teoria e prática

Dewey criticava duramente a separação artificial entre “saber teórico” e “saber prático” — dicotomia que, não coincidentemente, também refletia divisões de classe social.

Anísio trouxe essa crítica para o Brasil de forma ainda mais contundente. Em uma sociedade onde trabalho manual era desvalorizado e associado à escravidão, defender a integração entre pensamento e ação era revolucionário.

Ele propunha escolas onde estudantes aprendessem tanto filosofia quanto marcenaria, tanto literatura quanto agricultura. Não porque todos se tornariam marceneiros ou agricultores, mas porque o trabalho com as mãos desenvolve formas de inteligência tão importantes quanto o pensamento abstrato.

Os desafios e resistências

Seria ingênuo pensar que essas ideias progressistas foram facilmente aceitas. Muito pelo contrário.

Anísio Teixeira enfrentou resistências ferozes de múltiplos setores: católicos conservadores que viam o pragmatismo como materialista e ateu; militares que desconfiavam de qualquer ideia “estrangeira”; elites que não queriam uma educação verdadeiramente democratizante; até mesmo educadores tradicionais resistentes a mudanças.

Em 1935, Anísio foi acusado de comunista e teve que deixar o país temporariamente. Sua casa foi invadida, seus livros queimados. Irônico, considerando que o pragmatismo deweyano era profundamente democrático e oposto a qualquer forma de totalitarismo.

Mas Anísio persistiu. Voltou ao Brasil, continuou escrevendo, implementando projetos, formando professores, lutando por uma educação pública de qualidade.

O legado para a educação brasileira contemporânea

Hoje, mais de meio século depois da morte de Anísio Teixeira (em circunstâncias misteriosas durante a ditadura militar), seu legado — e por extensão, o legado do pragmatismo de Dewey — continua vivo e relevante.

Quando defendemos:

  • Educação integral em tempo completo
  • Metodologias ativas de aprendizagem
  • Projetos interdisciplinares
  • Avaliações formativas em vez de apenas somativas
  • Protagonismo estudantil
  • Aprendizagem significativa

Estamos ecoando ideias que Dewey sistematizou e Anísio Teixeira adaptou para nossa realidade.

Claro, ainda estamos longe do ideal. O Brasil continua com enormes desafios educacionais — desigualdade de acesso, precarização do trabalho docente, infraestrutura inadequada, políticas educacionais descontinuadas.

Mas o norte filosófico que Anísio nos deixou continua válido: educação de qualidade para todos, baseada na experiência, democrática, integral, voltada para a vida real.

Reflexões finais: O que podemos aprender hoje?

Vivemos em um tempo de intensos debates educacionais. Metodologias novas surgem constantemente, tecnologias transformam a sala de aula, o mundo do trabalho muda rapidamente.

Nesse contexto, revisitar o encontro entre Dewey e Anísio Teixeira não é mero exercício nostálgico. É resgatar princípios que continuam essenciais:

A educação precisa fazer sentido para os estudantes. Não adianta encher currículos de conteúdos desconectados da realidade. O conhecimento precisa dialogar com a vida.

Educar é formar pessoas completas, não apenas treinar para provas ou para o mercado de trabalho. É desenvolver capacidade crítica, criatividade, sensibilidade, cooperação.

A escola é, sim, um espaço político. Não partidário, mas político no sentido mais profundo: é onde formamos cidadãos capazes de viver democraticamente. E isso não acontece por acaso — precisa ser intencionalmente cultivado.

Experiência e reflexão caminham juntas. Não basta “fazer por fazer”. Mas também não basta “pensar no vazio”. O ciclo virtuoso é: experimentar, refletir sobre a experiência, teorizar, aplicar de novo.

Talvez o maior legado do pragmatismo de Dewey, via Anísio Teixeira, seja essa recusa em aceitar dicotomias fáceis. Teoria e prática. Mente e corpo. Individual e social. Liberdade e responsabilidade. Tradição e inovação.

A educação verdadeiramente transformadora acontece na integração dessas dimensões — não na escolha excludente de uma ou outra.

E se hoje ainda lutamos por uma educação pública de qualidade, gratuita, laica, democrática e para todos, devemos muito a esse educador baiano que teve a coragem de atravessar o oceano, aprender com Dewey, e passar o resto da vida traduzindo essas ideias para a complexa realidade brasileira.

Anísio não estava apenas importando teoria educacional. Estava construindo, tijolo por tijolo, projeto por projeto, texto por texto, uma visão original de educação — brasileira em sua especificidade, mas universal em seus valores humanistas e democráticos.


Para saber mais:

  • TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994.
  • DEWEY, John. Democracia e Educação. São Paulo: Ática, 2007.
  • NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Bragança Paulista: EDUSF, 2000.
  • WESTBROOK, Robert B. John Dewey. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 2010.

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